porta-mala do carro. Mancada minha.
Foi mais ou menos assim: antes de chegar em casa, passei no
supermercado, fiz comprinhas rápidas.
Muito raramente eu faço isso mas naquela tarde ensolarada,
sei lá o que me passou, joguei tudo na 3a porta do
veículo.
Chegando em casa, fui retirar as compras e senti algo
estranho. Me-le-ca.
O cara do posto achou que precisava completar o óleo do
motor. Sobrou quase ½ litro. Custa uma grana aquilo. Isso
faz um tempinho. Então a muquirana que vos tecla fechou o
frasco com força, colocou numa sacolinha bem amarradinha
e, pimba, porta-mala. Sabe gente besta? É.
Perceba que era necessária uma providência urgente,
inadiável. E assim foi.
Cena 1:
Domingo - por volta das 17h.
Peguei o carrinho que fica perto da minha vaga na garagem do
prédio. Ajeitei as sacolas lambuzadas, a linda mochila
rosa da academia com imperdoáveis marcas de óleo, a
minha bolsona e o meu casaco com capuz (!), porque
definitivamente o meu termostato pifou. O carrinho tava
quase cheio.
Nenhum vizinho me viu.
Cena 2:
No hall do térreo, chamei o elevador que veio do subsolo.
Ao abrir a porta, dei de cara com o meu vizinho quase idoso
do apartamento em frente, acompanhado da sua inseparável
poodle branca, que também já tá mais pra lá do que
pra cá.
Subimos em silêncio amistoso, nós três e o carrinho
gigante. Notei que ele observava tudo com atenção.
Sabe gente que fica reparando compra dos outros na fila do
caixa?
Esse velhinho é dos meus.
Ele entrou no seu ap., desejou-me boa noite e fechou a
porta.
O carrinho-Hammer não passa pela porta de casa, de modo
que eu descarreguei as compras, silenciosamente, no
corredor.
Cena 3:
Com a porta do meu ap. aberta, deixei as compras na cozinha,
bolsa e casaco na sala, levei a mochila para a área de
serviço. Em cima da mesinha da sala, havia uma Veja.
Arranquei varias páginas. Voltei a área de serviço e
peguei 4 raquetes de frescobol que estavam sobre o cesto de
roupa suja desde janeiro. Joguei tudo dentro do carrinho e
fechei a porta de casa, sem trancá-la.
Notei uma sombra sob a fresta da porta em frente. Ainda acho
que era a poodle.
Cena 4:
Minha vaga na garagem fica de cara com a porta de serviço,
a poucos passos do elevador. Em dias de chuva e de compra de
mês, é uma mão-na-roda. Em termos de privacidade, quem
passa, tudo sabe, tudo vê.
Abri o porta-mala e comecei a forrar o carpete com as folhas
de revista que estavam no carrinho-Hammer.
Surgiu Velhinho Japa, que se amarra numa boa prosa.
Notei seu olhar de estranheza quando coloquei uma folha da
revista e uma raquete de frescobol no carro. Olhou para o
carrinho com mais folhas e mais três raquetes e continuou
parado.
Velhinho Japa não me disse boa noite e seguiu rumo ao
elevador.
Cena 5:
Segunda-feira - 8h.
Desci com cabelo espetado e olheiras profundas segurando
escova de limpeza, vasilha plástica pequena com algumas
gotas de detergente e uma sacola de supermercado.
Em volta do meu carro, um bando de funcionários planejava
a lavagem da fachada do prédio.
Abri o porta-mala e verifiquei o resultado do meu plano.
Foi um servicinho bem ma-o-menu.
Juntei tudo e voltei para casa, pensando num plano B.
Cena 6:
Segunda-feira - 8h15
No elevador, entraram duas vizinhas de meia-idade falando
alto.
Se calaram ao me ver praticamente de pijama e olhar meio
vago, carregando uma escova de limpeza, uma vasilha plastica
e sacola de supermercado lotada de folhas de revista meio
ensebadas.
E caladas permaneceram até o fim do percurso.
Fiquei falada na vizinhança. Aposto.