08 janeiro, 2004

Da Escrotidão Humana – Capítulo II


Quanto desgosto pra uma mãe.


Segunda-feira, 21 de julho de 2003. Por volta de dezoito horas depois da minha chegada a Manaus, fui jogada aos leões. Poucas coisas são mais constrangedoras do que o primeiro dia de trabalho, principalmente quando você vem de uma comarca distante.
Minha cadeira estava reservada ao lado do Fred. Sujeito de poucas palavras. Diretor de arte, sabe?
Os dias foram se passando e, observadora sagaz que sou, fui entendendo tudo.
Menino casado, pai de dois filhos, muito devotado à família. Não bebe, nem fuma. Ilustrador de mão cheia. Soube, dias depois, que aquela criatura é também um baterista. Músico de renome nas madrugadas manauaras. Um desbravador.
Sua mãe, pianista, foi por muitos anos professora de música no Teatro Amazonas. Mulher educadíssima, que tentou estimular a suposta vocação do filho para a erudição. Dela, ganhou um piano. Seu pai também alimentava muitas esperanças. Deu-lhe um violino. O primogênito recebeu educação religiosa desde a tenra infância. Dizem até que foi coroinha. Mas, desde pequeno, o safado gostava mesmo era de bater tambor. De onde se pode concluir que a escrotidão humana, assim, pura, não é resultado de herança genética ou da vontade divina.
Às vezes, é coisa do capeta mesmo.
Não houve salvação e deu no que deu: o desgraçado virou publicitário e baterista.
Então, você, pra variar, deve estar se perguntando: e daí? Deixa o pobre tocar zabumba.
Mas, ele é baterista de grupo de pagode, meus amigos. Pagode. Veja que desgraça pra uma familia de gosto musical tão apurado.
Outro dia, arrisquei matar minha curiosidade:
- Frederico, sua mãe não morre de desgosto, não?
- Ela se nega a tocar nesse assunto.
Num disse?

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