15 agosto, 2010

O Gramado dos Cisnes


O sábado amanhece mais gélido do que o necessário. A crise respiratória na madrugada, inédita no meu rol de mal-estares caseiros, foi, no mínimo, cansativa. Eu me sinto sonolenta, com a cabeça pesada e o nariz, insuportavelmente congestionado.
Arrasto os chinelos até a cozinha, tomo suco com suplementos vitamínicos e ibuprofeno, como o penúltimo pedaço do queijo que eu ganhei. O raciocínio é lento ou quase ausente.

Durante o banho escaldante, tento realinhar meus pensamentos. Minha mente está tão embaçada quanto o espelho do banheiro. Maldito cloridrato de prometazina.

Decido que não vou riscar nada da agenda planejada, sob pena de passar os próximos dias me sentido uma inútil. Visto uma roupa sem graça e sigo para o salão da Helena, a grande fada das navalhas e pincéis. Mas ainda falta muito para as 11 horas.

O tilintar das xícaras, a mistura aconchegante de aromas de café, pães diversos e o burburinho das pessoas na padoca começam a me animar. Tomo um expresso puro, como um pãozinho na chapa e uma fatia modesta de um bolo de nozes mais bonito do que gostoso. Mas eu me sinto bem melhor mesmo assim.

A caminho do salão, não por acaso no Paraíso, sinto que minha roupa não apenas está sem graça como também inadequada. Frio, muito frio.
Encontrar Helena é sempre alegria. Passo o briefing do meu novo cabelo, escolho uma revista de fofocas e ganho um cappuccino duplo e fumegante. Entendeu porque fica no Paraíso?

Três horas depois, completamente informada a respeito do encantador e exclusivérrimo universo das celebridades, dou um abraço apertado na Helena e, jurando gratidão eterna,  sigo meu rumo, confiante de que sou capaz de dominar o mundo e a pessoa mais preparada para responder qualquer pergunta a respeito do nascimento do filho da Galisteu.

Pouco mais de 16h, decido ir para casa, porque a temperatura parece estar caindo e meu modelito exige reforços. Mais meias, mais agasalhos, mais meio tablete de chocolate e pronto.
Ligeira impressão de que estou esquecendo algo mas mesmo assim, eu sigo para o parque.

Dia de show de abertura do Bourbon Street Fest. Quem é louco de perder?
Para variar, paro no portão mais longe e eu sempre me perco dentro do parque.
Sigo meio de longe o moleque acima de qualquer suspeita que acabara de estacionar o carro, bem à minha frente. Ele pergunta algo que eu suponho ser “onde é o show?” pra tia da água de coco, que gesticula algo e eu continuo o seguindo. Ele entra por um atalho. E eu o seguindo. Percebo que estou na trilha sinuosa do bosque. Começo a desconfiar que moleque pode ser um psicopata assassino e que está indo para qualquer lugar, menos para o show. Bad way.
Então, nunca sigam estranhos no parque. Esta foi a mensagem do dia.

Faço meia volta e sigo o fluxo dos transeuntes. Minha caminhada ganha um ritmo cadenciado, consigo controlar melhor a respiração. Começo a observar as pessoas. O parque está diferente. Pessoas com roupas bonitas, gorros e cachecóis coloridos, em grupos, sozinhas, com cães. Cenário bonito. Eu nunca havia ido ao Ibira em um dia tão frio.

Olho à minha esquerda, e me surpreendo ao ver um grupo de cinco cisnes negros pastando no gramado. E eu me indago: - Ué, cisnes pastam?? (algo me diz que pastar é uma atividade reservada aos quadrúpedes, estou confusa). Não localizo na minha memória registros que me revelem cisnes fora d´água. Apenas no caso do Patinho Feio, é claro, que penou um bocado, pra lá e pra cá, até encontrar o seu lugar e brilhar entre os seus iguais.

Sigo meu caminho, chego ao lugar do show, que ainda não havia começado.
O público do gargarejo já a postos, casais de namorados degustam vinho no gramado, famílias fazem pic nic. Sinto falta da minha cadeira de praia, eu sabia que tinha esquecido algo.

Vejo pessoas que me parecem familiares e sempre fico com a impressão de que foram meus colegas no cursinho. Não encontro ninguém conhecido.
Fico impressionada como as meninas conseguem se produzir bem para ir ao parque. Meias caneladas, minissaias, botas, casacos lindos. Invejinha. Sempre acho que, no parque, minha meia vai desfiar, minha bota vai estragar e eu me sinto meio que um patinho feio. Tenho preguiça.

O show começou há um tempo e ainda nem prestei atenção direito nos músicos. Ao fundo do palco, um cara usa algo que me parece um colete de lata, sobre o qual faz uma percussão interessante. O som da banda me agrada, mas não me seduz.


Continuo andando entre o público e começo a me sentir como a menina do desenho animado em P&B.
Penso que as coisas nunca voltam a ser o que eram, mas precisam ser retomadas de algum ponto ou de alguma forma, se o desejo é que a coisa evolua. Lagriminha.
[Corta]

O tempo começa a esfriar pra valer.
Tenho vontade de enrolar o cachecol na minha cabeça. Não ouse, Ana, isso é ridículo.
Decido ir embora, porque meu nariz começa a incomodar e até chegar ao carro, tem uma bela caminhada.

No contrafluxo, continuam chegando meninas de minissaias e meias caneladas, o must have da estação. Como elas aguentam, com todo este frio?
Sigo caminhando, atenta para não me perder nas bifurcações do parque, já no escuro da noite.

Num pequeno declive, antes de chegar na praça da estátua do porquinho, paro para observar o
gramado dos cisnes.
Não há mais nenhum  por lá.

Será que eles dormem na água?

3 comentários:

Mirtes disse...

Coisa boa, voltar a ler suas narrativas deliciosas, Ana.
Melhor ainda rir com você!
Bjs!
PS.: sim, Ana, cisnes, patos, marrecos, gansos, pastam! E de vez em quando mandam, juntos, um vocal, hehe!

Ana Almgren disse...

Thanks, mi!
Só pra esclarecer. O lance não é que eu pareu de escrever. Pobrema é que eu parei de sair.
=)
Beijos
PS: eu lembrava do vocal, não da pastagem =0)

Mirtes disse...

Kkkkk!
Beijos!