10 julho, 2008

- Moço, onde eu compro cartão de Zona Azul?
- No portão 5 e no 6.
- Mas pra eu ir até lá, vou ter que deixar o carro sem
cartão. Vão me multar que eu sei.
- Olha, eu tô aqui desde o meio-dia e até agora (16h40)
ainda não passou nenhum guarda. Precisa de cartão,
não.
- Ah, você fala isso porque não me conhece. Melhor eu ir
comprar o cartão, sabe? Vão aparecer logo três
guardas, todos de uma vez. É só eu sair daqui. Quer
apostar quanto?
- (gargalhadas)
- Tô te falando. Aposta quanto?
- (gargalhadas)
E enquanto eu andava até o portão 5, o segurança da
vila particular gritou:
- Precisa comprar o cartão, não, moça. Vai por mim.
- Se chegarem os guardas, avisa que eu fui ali e já volto,
pensei.

Na área externa do auditório do Ibirapuera já havia
uma concentração considerável de pessoas.
Casais insuportavelmente apaixonados prontos para o
acasalamento na grama, outros casais apenas burocraticamente
juntos, grupos de diversas facções (entre as que um show
de bossa nova poderia atrair, óbvio), labradores, teckels,
retrievers, SRDs, um raro cane corso, pentelhos da primeira
idade, gente sozinha, cachecóis coloridos, muitas bikes,
gente esquisita (e bota esquisita nisso), a terceira idade
mostrando seu valor, maconheiros em plena atividade
recreativa, uma festa. Let the sunshine.
Me agrada o clima eidiofaacuérious que se forma nessas ocasiões. Nelsinho Mota abriu a solenidade fazendo discurso bacaninha em
homenagem a João Donato, Orquestra Ouro Negro fez a
abertura enquanto montes de gentes continuavam a se aninhar
calmamente pelo gramado.
Um velhote de óculos escuros e chapéu australiano,
aparentando um certo requinte, bebia vinho tinto em pequena
taça de plástico.
Bebel Gilberto cantava e o sol começava a se pôr.
A mocinha imóvel há mais de meio século em posição
de lótus finalmente se mexeu, abriu a mochila natureba
feita em tear e acendeu um Marlboro. Vai entender.
Ao meu lado, parou uma bike, cujo dono era um cara meio
ruivo, que lembrava muito o Jamie Oliver, só que um pouco
mais limpinho.
Bebel Gilberto, de flor vermelha no cabelo, se despediu do
público pedindo que a gente cuidasse bem da Adriana
Calcanhoto. O que Bebel pensou? Que a gente fosse receber a
moça a tiros de flecha? Se bem que teve uma hora que deu
vontade.
O vento chato começou a soprar. Vesti uma blusinha de lã
que combinava perfeitamente com minha roupa, mas tava na
cara que ela não ia segurar o tranco. O sol e o céu
lindamente azul me iludiram.
Ambulantes vendiam latinhas de cerveja escondidas em
mochilas, como se fosse mercadoria ilícita.
Percebi que o Johny Depp de cabelos cacheados olhava
insistentemente para mim. Fiquei sem jeito e desviei o
olhar.
Duas fortes representantes da turminha da reposição
hormonal estenderam uma canga com estampa do calçadão de
Copacabana e sentaram-se atrapalhando a pouca visão que eu
tinha do palco. Eu prestava mais atenção na platéia.
O velhote da garrafa de vinho havia tirado o chapéu e
começava a esboçar alguns passinhos de uma dança
indefinida.
Três garotos de beleza inebriante levantaram sorridentes
entre a platéia e fecharam o cavalete de sinalização
que estava atrapalhando a visão de meio mundo. Todo o meio
mundo aplaudiu e assobiou. Eu, inclusive.
O vento estava cada vez mais forte.
Johnny Depp de cabelos cacheados sorriu para mim. Ai,
socorro.
Calcanhoto se despediu da platéia e ninguém atirou
flechas. Fica pra próxima.
Achei que já na hora, eu estava quase congelando. E
depois, show de bossa nova, a gente sabe, é aquilo mesmo,
ou seja: nao sai daquilo.
Velhote, já sem óculos, sem chapéu e sem a taça,
tinha pouco menos de ¼ do vinho que bebia no gargalo e
tentava interagir com as pessoas ao seu lado. Sem sucesso.
Ao me levantar, sorri para Johnny Depp e vazei da área.
Eu sou uma besta.

Ao chegar na rua, não havia nenhuma notificação de
multa no vidro do carro.
O que não quer dizer absolutamente nada, vamos combinar.

Peguei o valor equivalente ao cartão de Zona Azul e
apostei meus números na Mega-sena.

Durante o jantar, eu pensava que meu cabelo novo fez
relativo sucesso. Pelo menos com gente esquisita. Tipo
Johnny Depp de chachinhos.

E a mega-sena acumulou.

Um comentário:

Auki disse...

Azar no jogo, sorte no amor...

o J.D. de Cachinhos foi por pouco!!!!

Bjão