29 janeiro, 2004

Vasculhando minhas gavetas, achei isso aqui, que ganhei logo ao chegar na agência. Relendo, seis meses depois, comprovo que assim mesmo.

Amazonês.
Pessoal, olha aí o nosso Amazonês!
Como ocupar o lugar similar ao de um amazonense típico?
Mais especificamente, como se passar por um "nativo"? Há algumas pistas.
É claro que são pistas generalizantes, que há exceções para mais ou para menos, como nas pesquisas eleitorais. Mas vamos a elas.
Primeiramente, você tem que treinar falar com as pessoas pegando nelas.
No braço, no ombro, no cotovelo. Mas tem de pegar. A linguagem corporal é tão importante para o amazonense quando o descanso o é para o baiano e a desconfiança para o mineiro. Beijinhos de cumprimento são sempre dois.
Os paulistas têm de aumentar um e os gaúchos têm de reduzir um. Isso pode causar uma série de beijos órfãos no ar para aqueles que estão em fase de adaptação. O pegar e o beijinho do amazonense não devem ser entendidos, grosso modo, como invasivos, mas como parte mesmo de sua enunciação, parte do sentido do dizer.
Outra coisa: amazonense aponta com a boca. Pergunte a um amazonense onde está algo e ele, muito provavelmente, em vez de levantar a mão e apontar, fará um biquinho em direção à coisa procurada. Aliás, um biquinho não, um beicinho.
Amazonense bom mesmo, típico, é aquele que não respeita sinais de trânsito.
Faixa de velocidade, então, vixe! Nem pensar. Muitos até fazem da faixa uma espécie de guia para centralizar seu carro, como fazem os aviões.
E vá tentar andar na faixa? Você é considerado o pior motorista do mundo, com direito a olhares feios e até alguns xingamentos. Por outro lado, se seu carro quebrar, logo aparecem muitos amazonenses querendo dar uma mãozinha.
Amazonense é solidário. Muito. Pergunte e ele responderá. Peça e ele
lhe ajudará. Dê trela e ele grudará.
O amazonense é muito caloroso. Não só pelo calor que faz em Manaus, mas porque facilmente puxa papo e se integra a um grupo. Basta uma possibilidade de entrada na conversa e..zapt! estamos dentro, na maior intimidade. Isso pode causar certo choque para as pessoas do sul e sudeste, mais reservadas no assunto amizade. É mais difícil "aprochegar-se" em São Paulo do que em Manaus, definitivamente. Mas há doces exceções.
Noves fora essas questões de relacionamento, há a questão da língua mesmo.
Algumas palavras e expressões que realmente levam algum tempinho para que sejam dominadas e internalizadas. Seguem abaixo algumas palavras e expressões típicas com suas explicações e comentários.

ÉGUA - Égua pode ser usado em várias situações. Tomou um susto:"égua!"
Alguém faz algo que você não entendeu: "égua..."
Uma situação estapafúrdia?
"Éééguaa, maninho..."

QUE SÓ - Locução adverbial de intensidade, similar a "pra caramba".
"Hoje está quente que só". "Ela é lesa que só". "A sala estava lotada que só."

LESO (A), LESEIRA - Um leso é alguém que sofre de leseira. Leseira é um abestalhamento momentâneo que acomete o leso. Se a leseira for uma característica contínua, dizemos que o leso sofre de leseira baré.
Segundo cientistas da Universidade de Kuala Lumpur, a leseira baré ocorre entre os amazonenses devido ao sol quente na moleira, que frita o cérebro e queima alguns neurônios. Temos ainda as expressões derivadas: "Deixa de ser leso!" e "Pára de leseira!". Mas como tudo tem seus dois lados, dizem que o sol também causa nos amazonense algo chamado tesão de mormaço.
Auto-explicativo.

AGORINHA - Diferentemente do uso no sudeste, agorinha quer dizer "há alguns segundos", referindo-se ao passado e não ao futuro. "Ela estava aqui agorinha, mas sumiu".

OLHA JÁ! - Expressão de indignação correspondente a "Mas que abuso!".
"E aí, gata, me dá um beijo?" "Mas, olha já esse aí...Te manca!"

MANO(A) - Tratamento carinhoso entre conhecidos ou não. Muito usado para fazer perguntas e pedidos. "Mana, faz um favor pra mim". "E aí, tudo bem, mano?"

PITIÚ - Cheiro. Geralmente associado a peixe. "Tá sentindo um pitiú danado aqui?"

BORIMBORA - Vamos embora. "A gente não tem mais nada a fazer aqui. Borimbora!"

COM BORRA (E TUDO) - Com tudo. Expressão de alopro. "Ela estava aprendendo a dirigir. Foi entrar na garagem e pisou no acelerador ao invés de pisar no freio. Aí entrou com borra e tudo na garagem, arrebentando o carro todo.

TEM MIL! - Expressão que significa indignação. "O chefe disse pra tu
fazeres o relatório sozinho". "O quê? Sozinho? Tem mil pra eu fazer!"

MAS QUANDO? - Ver "Tem mil!"

FICAR DE BUBUIA - Ficar sem fazer nada, ficar flutuando na água. "E aí, Zé, nadando um pouco?" "Não. To só aqui de bubuia um pouquinho".

BATORÉ - baixinho (a). "Procura por ele lá. Ele é um batorezinho gordo que fica no portão".

MACETA - Grande, imenso, de proporções anormais. "Eu disse que ia lá brigar com ele e quando eu olhei o cara era macetão. Saí fora..."

RECREIO - Barco. "Que horas sai o recreio para Eirunepé?"

QUERIDA - Cuidado! Esse é um falso cognato. O uso da palavra "querida" aqui em Manaus denota um certo sarcasmo ou uma certa ironia. "Escuta aqui, minha querida. Eu sou a mulher dele, entendeu?" "Você não está entendo, querido. (= você é burro!)"

PINCHA - Tampinha de refrigerante. Mas só as de metal. Já meio raras.
"Cadê a pincha do guaraná? É que eu faço coleção".

CARAPANÃ - Pernilongo. Só que mais chato e mais chupador. Termo
indígena para "lança voadora", segundo a lenda urbana.

DE LASCAR - Indica intensidade. "O sol está de lascar". "A prova foi
de lascar."

MALINAR - Reinar, fazer malvadeza gratuita, como por exemplo beliscar um bebê porque ele é muito fofo. "Ele é tão fofinho que dá vontade de malinar com ele".

MEU GRANDE - Tratamento para desconhecidos. Pode ser utilizado
intercambiavelmente com "mano". "E aí, meu grande. Tudo bom?". "Fica de olho aí no meu carro, falou, meu grande?"

ERAS... - Usado para momentos de perplexidade. "Eras...deixei meu
carro aqui...cadê ele?"

MÁ RAPÁ - O mesmo que "Olha já!". "Me empresta teu carro?" "Má rapá! Claro que não!"

Enfim, meu grande, são essas algumas palavrinhas e expressões que vão dar ao forasteiro um sentimento de pertença ao social amazonense. Como nós somos muito solícitos, mano, eu resolvi então escrever esse texto. Mas chega de falar leseira. Égua! Vou descer e vou tomar um banhinho de piscina. E, com certeza, vou ficar de bubuia. Tem mil pra eu ficar aqui escrevendo com um sol de lascar desse lá fora. Má rapá....

(autor desconhecido)

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