15 janeiro, 2004

O bonitão do 10o andar.
Aconteceu na terça. Terminada a mudança, comecei a entrar em estado de angúsita: sem copos, pratos (talheres eu tenho), travesseiro e TV. Impossível alguém viver assim. Fui ao shopping do jeito que eu estava: toda descombinando. Acabei resolvendo as compras no supermercado mesmo e voltei de táxi. Briguei com o taxista, porque o viado não tinha troco pra 10. Coloquei tudo no carrinho e, enquanto esperava o elevador de serviço, um sujeito aproximou-se lentamente. Tomei um sustão. Era surpreendentemente lindo. Estava chegando de viagem, lotado de malas e mochilas. Eu lá, descombinada daquele jeito, com a franja torta, rabo-de-cavalo, sem um pingo de maquiagem, empurrando um carrinho com um 14”, 2 travesseiros, forro de colchão e mais um monte de sacolinhas de compras prosaicas. O carrinho de supermercado mais deselegante que já empurrei na vida. O elevador chegou e ficou aquela situação meio besta. Ele, além de lindo, pareceu ser também muito educado. Soltou uma valise no chão, abriu a porta pra mim, eu agradeci, entrei e fiquei esperando ele fazer o mesmo (por que eu fui cortar minha franja? Droga). Gentilmente, perguntou se tinha lugar pra ele (mas é claro, meu filho, se não tiver a gente arruma). Ajeitei-me espremida entre o carrinho e o painel do elevador. Como gentileza se retribui com gentileza, me ofereci pra apertar o botão.
- Qual andar?
- 10o
(ai, isso vai dar merda)
A porra daquele elevador é lerdo que só. E aquele silêncio constrangedor pairando (merda, a unha do meu dedão do pé tá suja). Minha visão periférica (aquela que o Toni Ramos perdeu na novela, naquele tiroteio no Leblon) é bastante apurada e eu, um pouco envergonhada, notei que ele estava rindo, olhando pro meu carrinho. (puta merda, Julia Roberts chegaria em casa com um lindo saco pardo lotado de hortaliças frescas, um maço de flores do campo e eu assim, na lama)
O segundo andar chegou. E eu avisei pro cês que ia dar merda. Eu estava prensada e não tinha como sair, por conta das malas do felino. Fui obrigada a lançar um olhar de súplica. Ele sorriu. (não é um encanto?)
- Notou a Lei de Murphy? (nossa, ele tem uma conversa tão diferente dos outros rapazes).
- Juro que eu pensei nisso. (eu tinha pensado mesmo) ... Foi falta da gente combinar, né?
- Eu devia ter perguntado antes. (não se culpe, lindinho, eu que sou uma lesa)
Pois o pobre teve que arrastar todo aquele bando de mala pra fora do elevador, segurar a porra porta, esperar eu conseguir me desenroscar do canto que estava, manobrar o carrinho e sair. Tropecei na mochila. Pedi desculpa. Ele riu.
- Deixa que eu seguro a porta pro cê.
- Valeu. Boa noite pro cê.
- Noite.
E antes de empurrar o carrinho, olhei pelo visor da porta. Ele tava olhando pra mim. E provavelmente, pensando: essa louca tem franja torta, unha do dedão suja e faz compras estranhas. Bela imagem.
Desovei tudo em casa, abri uma cerveja e fui pra varanda pensar nas lições de vida daquele dia.
Acabei por concluir:
1- Preciso urgentemente dar um jeito na casa.
2- Nunca mais devo sair de qualquer jeito na rua.
3- Elegância, Jama, elegância.
4- Comprar uma burca não é um plano totalmente descartado.

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